Esta pergunta deixou-me a pensar! Qual foi o motivo pelo qual eu passei de Cristão/Católico fervoroso a agnóstico?
Se calhar, em tempos idos, ainda não tinha atingido o estágio das operações formais de que Piaget falava. Se calhar ainda não tinha percebido o porquê de perguntar porquê.
Contudo já havia certos aspectos da religião que me eram estranhos. Já me fazia confusão, verbi gratia, a interpretação de certos actos litúrgicos e o porquê da evolução dessa interpretação. Afinal era um símbolo ou havia mesmo transubstanciação das espécies no Corpo e Sangue de Cristo?
Porquê água e não vodka? Nunca percebi qual a fixação na forma e um certo abandono do material, do que realmente importa. Afinal de contas não são as escrituras um verdadeiro “imperativo categórico” na acepção kantiana do termo?
A hipocrisia também me perturbava mas o meu problema sempre foi mais abstracto e, talvez, mais profundo. Com a caça aos cheques a minha fé podia bem.
Desde cedo percebi que a lógica da Igreja (pelo menos na minha zona) era diferente da lógica da responsabilidade do comitente pelos actos do comissário (ao abrigo de uma relação de comissão). Se o padre é mau a responsabilidade é dele, se é bom é porque foi bem orientado pela Santa Madre.
Se calhar, o mais certo, é que eu, naquele tempo, estava mais preocupado em não ser apanhado a sair à noite sem autorização ou a ver cassetes VHS gravadas com conteúdos da Playboy TV. E em destruir as ditas cassetes, de modo a que, perante o tribunal reitoral, fosse palavra contra palavra e a presunção de inocência imperasse.Devo ter-me esquecido que Naquele Lugar o auto de notícia (que nunca foi elaborado) decorrente do flagrante delito tinha mais valor do que no processo penal. (Se quem me fez a pergunta ler isto vai, com certeza, recordar o episódio:)).
Talvez sempre tivesse sabido que “não queria ir por aí”!
Se calhar ainda não li os autores certos ou, se os li, eles ainda não me convenceram. Não digo que não goste de ler Autores católicos como v. g. São Tomás e Santo Agostinho, já que falamos disso, gosto muito do segundo. Quando Aurélio Agostinho fala do tempo e o porquê de devermos seguir a palavra de Deus fá-lo com uma clareza na argumentação que fez com que eu já tivesse lido as “Confissões” e o “Diálogo sobre o livre arbítrio” umas 7 vezes. Mas Ele claudica pela base.
A metafísica e os grandes sistemas filosóficos estão, infelizmente, em declínio. Após os argumentos de Hume, Kant, Nietzsche e Heidegger a crença em algo imutável é, para mim, um pouco difícil. Depois de Nicolau de Cusa e Popper a coisa ficou mesmo impossível. Já não me lembro de quem me aproximou, mas foi sol de pouca dura. Se calhar também foi a esperança na possibilidade da originalidade que me faz ler os clássicos.
E eu que me recuso a ser um cristão herói à semelhança de Unamuno (se bem que por vezes até seja)!
Se calhar já não temos o vigor e a veemência que caracteriza os fundadores. Se calhar ainda bem, esse vigor é, não raras vezes, criador de mártires e, pior, de homicidas.
Mas também já vos falta a base racional, o "conhecimento" ou pelo menos a filosofia do mundo hodierno desconstruiram essa "razão". Qui est veritas afinal?
Qualquer dia tento Karl Rahner, a ver se me convence.
Até lá continuo desnorteado (num bom sentido, de quem não conhece a "verdade" nem pensa vir a conhecê-"la", porque o finito, como escreveu o Bispo de Cusa, não pode conhecer o infinito por serem diferentes), relativista e liberal no sentido milliano do conceito.
Tento ser Homem, perceber, saber e sentir o que é isso.
Obrigado pela pergunta.
2 comentários:
"Venham a nós os pobres de espírito".
Se calhar o teu problema é seres rico em espírito. A Igreja Católica está pensada para quem é estúpido e acredita em tudo o que lhe dizem (tipo, "aquela virgem é mamã").
Obrigado pelo elogio... Imerecido mas soube bem... :)
Mas olha que dentro da Igreja não há muita gente estúpida...
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