sábado, 28 de março de 2009

O Estado Raposa em período de eleições


Train Tua - Douro, Portugal
Enviado por Channel_Zero


Há algum tempo, em conversa com amigos, disse que a linha do Tua não iria reabrir ou encerrar definitivamente antes das eleições, ao contrário do que tinha sido anunciado pelo MOPTC. Hoje, infelizmente, vejo que as minhas suspeitas se concretizaram.

Não sendo eu vidente como o professor Karamba como é que eu sabia que não ia reabrir? Simples, a decisão de encerrar a linha definitivamente iria custar muitos votos dos transmontanos, que apesar de serem poucos também se contam e, para além disto, podiam gerar um burburinho nalguns sectores da opinião pública que fizesse com que se perdessem mais votos ainda. Há um principio básico da politica que diz que governo não pode tomar decisões polémicas ou impopulares perto das eleições.

A linha precisa de melhoramentos, sem dúvida. Uma reforma de toda a infra-estrutura de modo a tornar as viagens mais rápidas e seguras para o transporte de pessoas e mercadorias, com maiores valências em termos turísticos, seria óptimo. Contudo não acredito que as razões apresentadas sejam as razões verdadeiras desta decisão!

Uma das obras que muitos dos nossos políticos aprenderam na sua formação (e à qual foram, certamente, dedicadas muitas aulas de ciência política) foi o Príncipe de Niccolò di Bernardo dei Machiavelli. Lá encontramos passagens que são seguidas à letra no nosso país. Deixo dois exemplos:

O primeiro, apesar de já ter sido mais usado, principalmente pelo Professor Aníbal:

"Estando, então, um príncipe necessitado de saber usar bem o animal, deve eleger como tal a raposa e o leão; porque o leão não se defende das armadilhas e a raposa não se defende dos lobos. Necessita, pois, de ser raposa para conhecer as armadilhas, e leão para amedrontar os lobos."

O segundo, por nós sobejamente conhecido:

"Todos sabem quão louvável é um príncipe ser fiel à sua palavra e proceder com integridade e não com astúcia; contudo, a experiência mostra que só nos nossos tempos fizeram grandes coisas aqueles príncipes que tiveram em pouca conta as promessas feitas e que, com astúcia, souberam transtornar as cabeças dos homens; e por fim superaram os que se fundaram na sua lealdade."

Apesar de não haver consenso, entre os estudiosos da obra de Maquiavel, sobre se a obra era, verdadeiramente, um conselho ou uma descrição crítica realista, é certo que esta obra é das obras primeiras da ciência politica, nem que seja por inaugurar um estilo. Mas como todas as descrições têm falhas ou pontos que não foram bem aclarados (e esta é uma obra cheia deles) penso que os nossos políticos deviam praticar e analisar a obra à luz de dados empíricos actuais. Os príncipes, principalmente nas terras do sul da Europa, conseguem fazer tudo o que querem quando o povo tem a barriga cheia. Já quando a barriga se começa a esvaziar, as faltas à palavra dada deixam de ser toleradas, a manha de raposa é descoberta, o rugido de Leão é abafado pelos gritos de revolta e o Príncipe, outrora como o sol, morre na sombra do exílio ou é guilhotinado.

Neste período em que já ninguém acredita no governo, principalmente os transmontanos, ficamos à espera que, desta vez, estes ensinamentos não sejam seguidos. Esperamos que deixem de brincar com uma região economicamente deprimida.

Caso queiram continuar a brincar, que rezem (como eu rezo) pela manutenção da democracia. Apesar de muitos destes príncipes não gostarem dela, para eles é melhor assim, afastam-se os tormentos testemunhados pela História com uma cruz noutro quadradinho.


(As frases entre aspas foram citadas da obra O Príncipe de Maquiavel na tradução Portuguesa editada pela Guimarães Editores em 1996 e traduzida por Carlos Eduardo Soveral).

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