Ficou grande, desculpem.
Os direitos de autor, para além de atribuírem um direito de exclusivo de utilização e reprodução de uma qualquer obra de cariz literário ou artístico também têm uma função social (como todos os direitos) que passa pela permissão de que todos e forma igual, ou relativamente igual, possam usufruir dos bens culturais e possam, mais tarde reproduzi-los livremente. No caso do Direito Industrial a tutela conferida por este tipo de direitos de monopólio serve também para que os inventores mostrem como se constrói o invento para que posteriormente, após a caducidade do direito, qualquer pessoa possa utilizar aquela fórmula que foi publicitada. Estes direitos servem para desincentivar o inventor a esconder a técnica por detrás do invento e facilitar, assim, o desenvolvimento.
Para haver um direito de Autor tem de haver originalidade da obra, o que me leva a perguntar: como deve o Estado proceder (na medida em que é ele que procede à tutela desses direitos) se eu reproduzo uma cópia pretensamente protegida por um direito registado cujo original está já no domínio público? Deve tutelar o direito impedindo-me a todo custo de obter "ilegalmente" uma cópia tendo eu o ónus de explicar que afinal o "direito" do editor não existe porque é uma cópia de um original pertencente ao domínio público ou deve deixar-me aceder a essa informação e só posteriormente verificar, a pedido do lesado que tem de provar a originalidade da obra, a violação de um direito e declarando-me obrigado a indemnizar por causa dessa violação e condenando-me pela prática de um crime?
Para além disto há que referir que a tutela deste tipo de direitos está longe de ser pacífica. Nos EUA, por exemplo, ela só surgiu muito tardiamente o que faz com que se levante a suspeita sobre a sua mais-valia económica. Não deixa, também, de ser altamente criticável a forma como estes direitos são utilizados.
Tudo isto por causa desta notícia:
"O produtor musical Tózé Brito considera necessário que o Governo faça um acordo com as operadoras de telecomunicações portuguesas para cortar o acesso à Internet a quem descarregue músicas ilegalmente."
Tózé Brito lembra que, "através do número de identificação do computador, as operadoras de telecomunicações sabem quem faz "downloads" ilegais, podendo, por isso, cortar-lhe o acesso à Internet, e avisar as autoridades para que o computador seja apreendido".
A seguir dá o exemplo da "Irlanda, a França e do Reino Unido", e diz que: "Quando isso começar a suceder as pessoas pensam duas ou três vezes antes de fazerem 'downloads' ilegais", sublinhou, frisando que, embora a repressão judicial não seja o melhor caminho, "a prisão de meia dúzia de pessoas que agem ilegalmente, de forma sistemática, também teria efeitos positivos".
Para além da violação desproporcional aos direitos fundamentais e da manifesta inconstitucionalidade desta solução. Para além dos problemas relacionados com conhecimentos fortuitos e de prova em Direito Processual Penal. Para além do facto de a violação dos direitos de autor ser uma "bagatela penal". Para além do facto de o Estado, nesta solução, investir privados de poderes amplíssimos de devassa da vida privada e da consequente necessidade de reforçar o controlo dos mesmos. Deixo uma questão: concordará Tozé Brito que o Estado, a mulher dele e qualquer pessoa com quem ele tem relações jurídicas possam vasculhar-lhe a correspondência, o correio electrónico, a internet o telefone e o telemóvel para saber se ele viola algum dever? Concordará que o Ministério das Finanças lhe verifique todas as contas bancárias em Portugal e no estrangeiro (se as tiver), recibos correspondência mensagens de SMS para ver se ele não pratica nenhum crime de evasão fiscal? E o Ministério Público pode dar-lhe uma vista de olhos em todas as comunicações para se certificar que não comete nenhum crime?
O problema do controlo do Estado não está no ditado "quem não deve não teme" mas numa questão histórica. A história, óptimo laboratório das chamadas ciências sociais, diz-nos que o Estado quando se começa a meter excessivamente na vida das pessoas acaba por escravizá-las e doutriná-las. Acaba por lhes retirar a liberdade. Que democracia teremos quando não se não puder fazer nada sem que o Estado saiba, quando não podermos ter uma conversa "natural" porque um "Big Brother" orweliano nos está a ver.
Uma questão interessante e assaz anunciada é a que resulta desta frase: "no espaço de seis ou sete anos, as vendas de discos e dvd's, que atingiam os 100 milhões de euros por ano, caíram para metade, defende que a indústria vai sobreviver mas, para isso, precisa que os poderes públicos cumpram a sua obrigação". Esta frase visa imputar toda a quebra das vendas à pirataria informática mas a quebra de rendimentos das pessoas, é suficiente para explicar grande parte deste decréscimo. A maioria das pessoas com dinheiro prefere comprar este tipo de bens que fazer download ilegal.
Não discordo e até defendo a protecção dos direitos de autor na medida em que o processo de criação de qualquer obra com qualidade é dispendioso mas façam-me um favor… isto é ridículo!
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